Transfiguração: a oitava exposição individual.

Transfiguração: um mergulho para além da matéria.

“A Xícara”
Óleo e pastel s/ tela
140x90cm
1991
“Alquimia da cor”
acrílica e óleo s/ tela
110x89cm
1989

Um texto também transfigurado

“Num círculo inscrito e num quadrado circunscrito, de repente, vejo-o  estava escrito num papel pelo artista, numa mancha meio tinta meio água ( como se chuva colorida fosse uma ilusão do trópico), borrava o resto da frase.

Podia ser dito que a frase nunca fora concluída se fragmentos de palavras diluídas não houvesse acinzentado o tom de carne, de ferrugem da página.

Desse ocre suavizado o olhar se erguia para utensílios de cozinha e de trabalho, de comer e de pintar, dispostos sobre mesas de noites marcianas que eram aqui mesmo da terra onde se movem o caminhão e a larva, a formiga e uma réstia de luz da tarde.

Um poeta do mangue havia dito, como se respondesse ao pensamento imponderável: ”pense na chuva caindo sobre sítios hipotecados”…

Isso era uma resposta? Não. Os versos não respondem à nada, os quadros não significam nada que esteja fora deles – e dentro dos seus quadros circunscritos e círculos inscritos na água da tinta borrada com delicadeza e precisão, os pratos são discos voadores sem fantasmagorias, objetos humildes que aterrisaram no poço da memória imediata, no sem fim dos corredores das casas de adobe iluminado.

Um extra-marciano em contato com um terrestre de Marte poderia compreender coisas que não fossem ditas, imagens guardadas como copos e cartas, pensamentos e palavras pelas quais também pecamos.

Os quadros  – todos os quadros  – aspiram ao silêncio e como em versos de monges tibetanos, à cinza das fogueiras de gordura de iaque, guardam todas as cores do fogo, chaleiras que ferviam e os doces dedos da chuva, mais uma vez colorida que se tornou em tinta nessas imagens, ora vermelhas e douradas, ora azuis e verdes como o mar que muda sob os caixilhos de uma vasta janela aberta ao ser “que sobrevive a tudo”.

 

Fernando Monteiro –  agosto ,  1993

 

 

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